“Mecânica” é uma investigação fotográfica iniciada em 2018 em São Gabriel, cidade onde cresci no interior do Rio Grande do Sul. Através dela faço uma tentativa de esgotamento temático nas ruas da cidade, um estudo sobre o interior e as possíveis aproximações fotográficas do rural e do urbano no pampa gaúcho. Elejo o cavalo e a vaca mecânica como objetos centrais, costurados por imagens da cidade que operam tanto como relato quanto como ficção. Busco deslocamentos em cima dos cânones imagéticos gaúchos, que exaltam a presença do homem no campo.
Os cavalos aparecem na paisagem digitalmente modificados, uma resposta visual à condição de propriedade do animal, que carregam códigos de posse na pele e na indumentária. A fotografia digital é ferramenta de importação de diversos códigos, tanto de uma cultura do glitch, quanto da cultura tuning automotiva. Através delas busco tensionar um imaginário do corpo máquina digital dentro de um tradicionalismo local.
A vaca mecânica é uma espécie de taxidermia popular, símbolo da urbanização da cultura do laço. Junto da comunidade de laçadores, tranporto elas na paisagem, como quem posiciona uma escultura no espaço. O registro delas é simultaneamente um gesto de preservação de uma memória de manualidade gaúcha e um comentário em cima da tradição de imagens de animais posados.
Nesse tensionamento, a fotografia atesta processos de desvio. A deriva urbana-rural que registro tenta mostrar os limites difusos desses dois conceitos, mas também evidencia o meu processo de retorno à cidade que cresci e que agora registro. Em uma outra camada, há o deslocamento do cavalo-animal e da vaca-mecânica, reforçado pela chapeação-pintura, pelo couro-tela e pelo olhar sobre as escolhas estéticas das pessoas que, como eu, cresceram ali e, diferentemente de mim, ali continuam.